A mais nova creche de Florianópolis trouxe uma alegria extra para a comunidade do bairro Costeira do Pirajubaé, que lutava por um novo prédio desde 2006. Tornou-se também motivo de orgulho para os moradores de toda a cidade. Localizada próxima ao mar, no Centro-Sul da ilha, a creche Hassis foi projetada e construída seguindo os preceitos da sustentabilidade e busca certificação internacional para ser considerada a primeira creche sustentável do país. O espaço, inaugurado em abril deste ano, já começou a tornar a realidade de 200 crianças de zero a cinco anos, de seus pais e dos funcionários mais ligada à preservação do ambiente.
Desde que chegaram ao espaço, as crianças já começaram a entrar em contato com suas várias possibilidades. Foto: Petra Mafalda/Prefeitura de Florianópolis
A creche seguiu, desde o projeto, os conceitos da certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), concedida em vários países pela entidade norte-americana U.S. Green Building Council (USGBC). O projeto foi registrado na organização em fevereiro de 2014 e aguarda uma resposta sobre a certificação, que deve sair nos próximos meses após a análise das informações documentadas antes, durante e após a obra.
A creche foi construída em um terreno de cerca de 12 mil metros quadrados, doado pela União. Tem dez salas de aula, uma sala multiuso, parque, quadra, bosque, horta, cozinha, refeitório e estacionamento. Durante a obra, a empreiteira responsável teve de adotar procedimentos sustentáveis, como armazenar a água da construção e da chuva para reuso e para evitar enchentes e contaminações do terreno, limpar os caminhões para que não sujassem as ruas, manter o ambiente livre do fumo e outras ações.
“Não existe mais como não falar sobre a sustentabilidade. Temos que incorporar uma nova maneira de interagir com o planeta desde a primeira infância, nos enxergando como parte da natureza”
A maior parte do telhado é pintada de branco para refletir a luz do sol e diminuir a temperatura interna. Outra parte, sobre uma sala e o pórtico de entrada, tem cobertura de vegetação. Na área externa, foi criado um bosque com árvores nativas e frutíferas, como a pitanga, além de uma horta em formato de mandala. O estacionamento, que está sendo finalizado, tem piso drenante, para facilitar a entrada da água. O piso do estacionamento é feito com uma mistura de concreto com cascas de ostras trituradas, restos da cultura do fruto do mar feita em Florianópolis e que seria jogada no lixo. Há vagas especiais para quem pratica a carona solidária e para veículos que têm baixa emissão de poluentes. O bicicletário é coberto.
Nas salas de aula, os móveis foram projetados de acordo com as necessidades das professoras e das crianças. Há cabanas para brincadeiras, mesas circulares, quadradas e retangulares, cadeiras baixas, estantes para livros, brinquedos e circuitos com escada e escorregador. Um dos brinquedos, em forma de pirâmide, tem espelhos por dentro, que funcionam como um caleidoscópio para as crianças. Vidro entre os banheiros e as salas permitem que os educadores acompanhem o que acontece na sala enquanto ajudam uma criança a ir ao banheiro. Vidro na parte de baixo das portas também permite que as crianças expiem o que acontece lá fora.
Uma sala multiuso, que está em fase de finalização, poderá ser usada como ateliê de arte, sala de leitura e teatro. Nesta sala, os móveis são de acrílico, para facilitar a visão do que está dentro das gavetas e dos armários. Algumas mesas são espelhadas, para refletir objetos. Um pátio coberto já é usado para atividades como canto, coral e teatro. Uma varanda ao lado do refeitório permite que as crianças comam na área externa, quando a temperatura está agradável. Ao lado da sala das crianças mais novas, há uma sala de amamentação.
“Nos primeiros dias, as famílias entravam com muita alegria. Sinto isso até hoje, porque o espaço é acolhedor dos direitos da infância. A arquitetura é muito bonita e acolhe tudo que viemos lutando para conseguir, que era um espaço pensado para a educação infantil. Tomara que sejam construídos mais espaços como este”, diz a diretora da creche, Claudia Maidana, que é professora de educação infantil em Florianópolis há 17 anos, atua no bairro da Costeira do Pirajubaé desde 2006 e foi eleita para o cargo de diretora. A decisão para começar a usar o espaço em abril, mesmo sem que estivesse totalmente finalizado, foi tomada junto com a comunidade, segundo Claudia, com a constatação de que a creche estava 100% segura para as crianças. Alguns itens, como o pórtico de entrada, portões, a parte eletrônica, a sala multiuso e o estacionamento só devem ficar prontos em julho.
A creche foi construída em um terreno de cerca de 12 mil metros quadrados, doado pela União. Tem dez salas de aula, uma sala multiuso, parque, quadra, bosque, horta, cozinha, refeitório e estacionamento. Foto: Ricardo Medeiros/Prefeitura de Florianópolis
Conquistar um espaço tão rico como a creche Hassis não foi fácil para a comunidade atendida, que inclui os moradores do bairro Costeira de Pirajubaé e de bairros próximos, como Rio Tavares, Campeche e Carianos. A luta por um prédio que pudesse atender as crianças em tempo integral começou em 2006, quando a creche local só aceitava crianças em meio período. Desta época até 2013, quando a obra começou, houve idas e vindas, perda de outro terreno doado pelo governo federal para uma praça, muita burocracia e dificuldades para conseguir uma empreiteira disposta a se responsabilizar pela obra.
A ideia inicial da secretaria de Educação da cidade era construir um prédio capaz de economizar energia elétrica e água, uma preocupação já existente em outras creches e escolas, que procuravam fazer essas melhorias. Durante discussões para o desenvolvimento do projeto, de autoria da arquiteta da prefeitura Rachel Braga, os participantes, que incluíam a secretaria de Educação, engenheiros, representantes da comunidade e funcionários da antiga creche do bairro, chegaram à conclusão de que deveriam buscar construir um espaço inteiramente pautado pela sustentabilidade, do início ao fim. O financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo federal ajudou a tirar a ideia do papel. O custo total da obra deve chegar a cerca de R$ 4,7 milhões, segundo a prefeitura. Deste total, R$ 4,4 milhões vieram do BID e do governo federal. O banco investiu R$ 1,9 milhão e o Ministério da Educação, R$ 2,5 milhões, sendo R$ 1,8 milhões do FNDE e R$ 695 mil do salário-educação.
Pipa e carrinho
Desde que chegaram ao espaço, as crianças já começaram a entrar em contato com suas várias possibilidades. Plantaram mudas de temperos, verduras, girassóis e tomatinhos na horta. Andam de bicicleta, de patins e de motoca, brincam de carrinho e empinam pipa na área externa. Mesmo sem entenderem exatamente como funcionam, veem as placas solares no telhado e podem acessar o espaço do teto verde, onde têm uma visão maravilhosa do mar e do bairro.
No dia a dia, as crianças têm contato com o tema da sustentabilidade em projetos de literatura infantil relacionados ao meio ambiente. Fazem atividades com materiais recicláveis e com elementos da natureza. As professoras procuram usar menos papel branco e colorido e mais papel reciclado. Trabalham nas aulas a história do artista Hassis, homenageado no nome da creche. Nascido em Curitiba em 1926, ele viveu em Florianópolis desde os dois anos de idade, onde se dedicou a resgatar temas da cultura da ilha catarinense, incluindo o universo infantil e as brincadeiras da infância na ilha, como cabra cega, bolinha de gude e boi de mamão. Morto em 2001, ele usava materiais como papelão e elementos da natureza em suas obras. “Não existe mais como não falar sobre a sustentabilidade. Temos que incorporar uma nova maneira de interagir com o planeta desde a primeira infância, nos enxergando como parte da natureza”, diz Claudia.
Além de alunos, professores, funcionários e pais, a creche recebe visitantes desde a inauguração. São estudantes, profissionais da área de arquitetura e construção e até uma representante da Organização das Nações Unidas (ONU). “Espero que este projeto inspire outros órgãos públicos e secretarias de Educação a adotar estes princípios. Encarece um pouco a execução da obra, mas os efeitos futuros são bons, inclusive economicamente”, afirma o secretário de Educação de Florianópolis, Rodolfo Joaquim Pinto da Luz.