Depois de ser distribuído a 1 milhão de crianças do Reino Unido, chega ao Brasil o computador de bolso criado pela emissora britânica BBC para ensinar programação. Com a proposta de estimular a criatividade e fortalecer a cultura maker dentro das escolas, a plataforma Micro:bit deve começar a ser utilizada por 100 mil estudantes até o final do próximo ano.
Computador de bolso da BBC chega ao Brasil para ensinar crianças a programar. Foto: Marina Lopes/Porvir
Por meio de um acordo de cooperação internacional entre a Positivo Tecnologia e a Micro:bit Foundation, organização sem fins lucrativos que trabalha habilidades digitais e permite crianças de todo mundo se tornarem criativas com a tecnologia, a mini placa programável será aprimorada e adaptada para ser distribuída aos estudantes brasileiros e de outros países da América Latina.
Para se tornar viável, a iniciativa ainda conta com o apoio da Sepin (Secretaria de Políticas de Informática) do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), por meio do uso de recursos de Pesquisa e Desenvolvimento oriundos da Lei de Informática. O anúncio oficial foi realizado na semana passada (terça-feira, 24/10), durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, em Brasília (DF).
“Eu adoro pensar na ideia de crianças desenvolvendo máquinas para solucionar problemas do mundo. Eu acho que qualquer um que pensa nessa possibilidade se apaixona. Queremos que as crianças tenham a experiência de fazer e inventar. Se o passo seguinte é fazer uma casinha de madeira, faça. Se é programar um celular, programe. Mas elas precisam sentir que são capazes”, diz Alvaro Cruz, vice-presidente de Inovação Educacional da Positivo Tecnologia.
Apesar de ainda não ter um custo definido para o Brasil, a placa deve ser distribuída por um valor bem menor do que o de plataformas semelhantes, como Raspberry Pi ou Arduino, chegando a algo em torno de R$ 90 ou R$ 100. Devido ao preço acessível, o diretor da Secretaria de Informática do MCTIC, Otávio Caixeta, também vê a iniciativa com potencial para ganhar escala no país, inclusive nas escolas públicas. “As crianças poderão trabalhar raciocínio lógico e, a partir daí, aprender matemática. Também podemos usar planos de aula para desenvolver outras habilidades. A ideia é trazer essa familiaridade com o digital para desenvolver conteúdos do século 21 e melhorar o rendimento geral dos estudantes brasileiros no STEM (sigla em inglês para ciências, tecnologia, engenharias e matemática).”
Desenvolvida em um projeto de educação da BBC, a Micro:bit surgiu como uma tentativa de estimular o desenvolvimento de competências digitais entre os estudantes. Com o sucesso da experiência, a plataforma conquistou espaço em escolas de outros quase 40 países, entre eles Finlândia, Noruega e Holanda.
Com dimensão de 4 cm x 5 cm, a placa conta com um processador ARM de 32 bits, porta micro USB, bluetooth, acelerômetro, bússola, cinco conexões entrada/saída, dois botões programáveis e 25 LEDs que permitem a exibição de mensagens simples. Esses recursos já são suficientes para a criação de uma série de projetos, que podem ir da montagem de um dispositivo para regar plantas até a construção de um robô. “O limite é a imaginação. A parte mais difícil do dia a dia escolar é permitir que os alunos tenham ideias. Assim que isso acontece, é fácil implementá-las”, declara Kavita Kapoor, coordenadora de operações da Micro:bit Foundation.
A partir da experiência observada em escolas de Londres, ela ainda destaca que o uso da plataforma não se restringe ao momento da aula de informática. “Para mim, a tecnologia e a programação devem estar presentes em todas as aulas. É importante na matemática, mas também na aula de artes e na educação física”, defende, ao exemplificar que as crianças também podem usar Micro:bit para brincar ao ar livre e se tornarem melhores esportistas enquanto coletam dados sobre a potência do chute na bola ou o movimento do taco de hóquei.
No Brasil, a plataforma Micro:bit já começou a ser testada em duas escolas municipais de Florianópolis (SC): a Professora Herondina Medeiros Zeferino e a Virgílio dos Reis Várzea. O projeto piloto teve início há pouco menos de dois meses, mas já traz alguns resultados, conforme aponta Rafael Savi, pesquisador da Fundação CERTI, organização de especializada no desenvolvimento de soluções inovadoras que acompanha o uso da placa programável nas unidades. “É surpreendente notar como essa plaquinha traz motivação. Tem o encantamento dos alunos perceberem que conseguem programar e também tem o aspecto da diversão”, aponta ele, ao lembrar que em poucos minutos de contato com o dispositivo as crianças já eram capazes de criar os seus próprios comandos de programação.
O coordenador de projetos de pesquisa e desenvolvimento da Fundação CERTI, Carlos Eduardo Zander, também destaca que o grande diferencial da experiência piloto é a forma como a plataforma está sendo trabalhada dentro do currículo. “O processo de aprendizagem de programação está sendo inserido no mesmo momento em que eles aprendem a montar equações de primeiro grau”, exemplifica.
E para quem acha que só dá para conectar programação com as disciplinas exatas, uma experiência realizada na Escola Básica Municipal Herondina Medeiros Zeferino já mostrou que a Micro:bit também tem liga com as aulas de geografia. Com o apoio da Fundação CERTI, a professora Aline Alves Bittencourt usou a placa para trabalhar o relevo e o clima da África. “Nós trabalhamos os aspectos físicos e tentamos aproveitar melhor os recursos da placa, como o sensor de temperatura e a bússola”, explica a educadora, que construiu com a sua turma um mapa interativo do continente.
“Nós conseguimos fazer uma coisa muito planejada, com pesquisa e introdução. A turma se envolveu bastante com os conteúdos”, diz a professora. A aluna Rafaela Araújo Fontoura da Rosa, 13, do oitavo ano, também aprova a experiência: “A placa traz muitas opções. Os efeitos visuais também são muito legais. É uma coisa nova que desperta interesse nos alunos.”
Ainda não há planos de disponibilizar a placa no varejo, mas no próximo ano o seu uso já deve ser ampliado em programas educacionais de escolas públicas e privadas. A ideia é que a Micro:bit seja usada por crianças a partir de oito anos.
* A repórter viajou a Brasília a convite da Positivo Tecnologia