Não há como negar os esforços que estão sendo feitos para erguer um novo Haiti. A reconstrução do país devastado pelo terremoto de 2010 é tangível na capital, Porto Príncipe. Ruas ganharam asfalto, novas escolas abriram suas portas e residências passaram a ocupar o espaço onde antes estavam 10 milhões de metros cúbicos de escombros, quantidade suficiente para encher 4 mil piscinas olímpicas.
“No momento do terremoto, a Missão da ONU aumentou sua capacidade devido ao tamanho da devastação no Haiti e ao efeito que essa catástrofe teve, não apenas na capacidade do governo de responder a ela, mas também em todas as instituições que foram gravemente afetadas. Um terço dos funcionários públicos morreu e houve uma pressão enorme sobre alguns serviços, como o de saúde”, explicou a chefe da Missão da ONU para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), Sandra Honoré.
O símbolo dessa nova era é a Praça Boyer, um centro de lazer dos haitianos, onde pessoas de todas as idades desfrutam de iluminação pública, quadras de esporte e atos cívicos. Ocupada por barracas de famílias de deslocados internos até 2013, a praça é também um local de aprendizagem.
O Programa das Nações Unidas para os Assentamos Humanos (ONU-Habitat), em conjunto com o Ministério de Trabalhos Públicos, aproveitou o espaço da Praça Boyer e, em janeiro de 2015, começou a compartilhar com os haitianos normas seguras de construção e a ensiná-los como construir melhor. Para baixar os custos das obras, muitos haitianos reciclam material encontrado nas ruas e não contam com mão de obra especializada para assessorá-los nas etapas de construção e como deixá-las seguras para enfrentar novos riscos, daí a importância desta parceria.
Realojamento para 80 mil haitianos
Família se inscreve no programa de realojamento do governo. Foto- UNIC RIO/Mariana Nissen
Dos 1,5 milhão de deslocados após o terremoto, apenas 80 mil permanecem em campos, menos de 1% da população. Muitos, no entanto, serão realojados a partir de janeiro em um programa de acompanhamento do governo e a Organização Internacional para as Migrações (OIM). A iniciativa fornece um subsídio equivalente a um ano de aluguel para as famílias cadastradas que deixem os campos de deslocados e também verifica as estruturas das novas residências para garantir sua resistência a novos tremores.
O governo também estuda transformar vários assentamentos temporários, onde casas de madeira substituíram há anos as barracas, em bairros formais, proporcionando serviços básicos e infraestrutura para melhorar a qualidade de vida de seus moradores.
“Passaram-se cinco anos, mas ainda há um número considerável de pessoas vivendo em campos. Temos 79 mil pessoas em 105 campos diferentes. Alguns em Porto Príncipe, mas outros em lugares diferentes como o epicentro do terremoto, Leogane”, descreve o chefe da OIM, Gregoire Goodstein. “Quando olhamos para o início, em julho de 2010, quando fizemos o primeiro registro, tínhamos 1,5 milhão de pessoas em campos. Hoje, conseguimos reduzir esse número em 94%.“
Entre as lições aprendidas do processo de reconstrução, Goodstein lembra que grande parte da ajuda humanitária se concentrou em Porto Príncipe e que por isso a cidade acabou sendo transformada em um ímã para pessoas em situação vulnerável em diferentes partes do pais, piorando ainda mais a situação na capital devastada.
“Deveríamos ter descentralizado mais a ajuda humanitária. Em uma cidade bloqueada por escombros e destroços, acabamos agravando ainda mais o problema ao atrair pessoas demais para Porto Príncipe”, disse.
Verticalização de Porto Príncipe
O projeto do governo chamado 16/6 trabalha com plataformas comunitárias para desenvolver novos conceitos de moradia. Foto: UNIC Rio/Mariana Nissen
“O Haiti em vez de densificar, ao colocar mais pessoas por metro quadrado, está se massificando. Todo mundo quer terra, quer jardim, mas ninguém tem dinheiro. É uma situação muito complicada. Esse é um exemplo de como podemos construir no Haiti de forma segura, com mitigação sendo feita e códigos de construção respeitados”, diz o diretor do projeto de moradia e reabilitação de bairros, Clement Belizaire, uma proposta do governo haitiano para levar 5.102 famílias vivendo em seis grandes campos a 16 bairros.
O projeto, que envolveu o Programa da ONU para o Desenvolvimento, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Escritório da ONU de Serviços para Projetos (UNOPS) e a OIM, contou com a participação ativa dos próprios membros da comunidade para decidir sobre as prioridades da reabilitação do bairro e gerou mais de mil oportunidades de emprego e qualificação de mão de obra.
Claude André-Nadon, chefe de programa no UNOPS, explicou que um dos componentes trabalhados durante esse processo foi a percepção de que haitianos poderiam viver em um edifício e mesmo assim ser proprietários. “Um proprietário antes era aquele que tinha acesso direito à terra. Por isso esse projeto é um grande avanço para o Haiti”, disse.
O projeto 16:6 também reformou as casas em no assentamento precário de Jalouise. As casas pintadas com cores fortes são hoje uma atração em Porto Príncipe. Foto: UNIC Rio/Mariana Nissen
O processo de reconstrução do país teve participação efetiva dos militares. Com o mandato da Missão da ONU para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) alterado após o terremoto, o trabalho das tropas vai muito além da segurança.
O Force Commander das tropas da ONU, general José Luiz Jaborandy Junior, citou alguns exemplos de colaboração das tropas para melhorias da infraestrutura do Haiti, como as vias de transporte, a construção de escolas, hospitais e a distribuição de alimentos. “No entanto, tudo isso faz parte da segurança voltada para a conquista da estabilidade. Não é só postura agressiva. Considero fundamental para integração da tropa com a população essa prestação de serviço de apoio humanitário”, disse.
Resposta a futuros desastres
Nos últimos cinco anos o país vem investindo e capacitando os haitianos para prevenção e redução dos riscos de desastres naturais. Localizado em cima de três falhas geológicas, na rota de furacões e vulnerável a enchentes e tsunamis, o Haiti hoje conta com um centro de operações nacional que integra diferentes esferas do governo, entidades internacionais e voluntários brigadistas para reduzir os riscos da população haitiana e reforçar a resposta imediata às catástrofes.
Brigadistas voluntários participam de uma simulação. Foto: UNIC Rio/Mariana Nissen
“Há alguns procedimentos para ativar o centro de operações de emergência nacional. Por exemplo, quando há um anúncio de um furacão, logo que estamos nas primeiras fases de alerta, todas as entidades sabem que devem vir ao centro de operação de urgência. Não devemos chamá-los, eles sabem que devem vir automaticamente”, explica a gerente do projeto do PNUD de apoio nacional a gestão nacional de riscos e desastres, Marie Katleen Mompoint. Juntas, essas entidades recebem a mesma informação, o que facilita a tomada de decisão, o envio de mensagens unificadas à população sobre riscos e prevenção e a melhorar a coordenação da distribuição de ajuda e itens básicos.
Mompoint, que trabalha diretamente com o Departamento de Proteção Civil (DPC), conta que uma das maiores dificuldades no Haiti é inculcar a importância do voluntariado e a participação sem remuneração de pessoas das comunidades na rede de brigadistas que o DPC tenta formar em todo o país. “Depois do terremoto, houve um grande desafio. Todo mundo percebeu que se houvesse um maior braço operacional, poderíamos ter salvado muito mais pessoas. Por isso, há um serviço de aproximação com os brigadistas, que estão nas comunidades e que podem agir diretamente nas operações”, disse.
Muitos avanços também foram realizados em áreas menos visíveis, com o apoio técnico da MINUSTAH e agências da ONU para promover mudanças políticas e o resgate de outras esferas devastadas pelo terremoto, como o setor da justiça.
Apoio às instituições
Ministério da Justiça após o terremoto de 2010. Foto: Unic Rio/Mariana Nissen
“Com a destruição do edifício do Ministério da Justiça não havia meios para administração geral do sistema de justiça, que também afetou o setor de polícia e penitenciário”, contou Maxi Gracia Joseph, especialista em construção de capacidades institucionais do PNUD. “Da parte da sociedade civil, com a morte de 250 a 300 mil pessoas, existiu uma necessidade depois de 2010 de obter certificados de óbito e novos documentos de identidade”.
Trabalhos decentes e inclusivos
MINUSTAH organiza ateliês de arte, costura e borbado para capacitar homens e mulheres e permitir que aprendam um ofício. Foto: Unic Rio/Natalia da Luz
“O ponto adicional que trouxemos para esse processo foi o envolvimento da comunidade. Ajudamos a implementar uma plataforma comunitária, com um sistema de eleição para que os membros eleitos pudessem representar a comunidade nos processos de decisão. Eram eles que tomavam as decisões sobre as suas vidas e suas comunidades, não o PNUD ou outra organização da ONU”, disse a diretora sênior do PNUD, Sophie de Caen.
Ela também explicou que todos os projetos do PNUD sempre incluíram como prioridade a criação de trabalhos no Haiti. Com isso, a agência foi capaz, desde 2010, de proporcionar 400 mil empregos temporários e gerar renda para ajudar a famílias a se recuperarem mais rapidamente da tragédia.
Próximo passo, eleições
Toda a infraestrutura vem sendo implementada aos poucos, mas a urgência do Haiti também está na estabilização política do pais. Com a ausência de eleições legislativas postergadas por mais de três anos, o povo haitiano tomou as ruas para pedir respeito ao processo democrático. Em janeiro, o presidente Michel Martelly anunciou a formação de um Conselho Eleitoral Provisório com o mandato de convocar eleições para deputados, senadores e presidente ainda em 2015.
No Haiti, o PNUD tem o mandato de mobilizar os recursos necessários para garantir a viabilidade do processo eleitoral, que conta, como um dos seus principais doadores, o Brasil. Também coordena a aquisição do material necessário e estabelece o centro de contagem e tabulação de votos, bem como apoia o registro das pessoas aptas a votar. Para que este processo tenha autonomia nacional, a agência da ONU fornece capacitação aos membros do Conselho Eleitoral, para que sejam eles que tomem as decisões necessárias para a realização do pleito.
“Nós do PNUD trabalhamos para o fim da nossa própria existência no país, porque o objetivo é criar capacidades nas autoridades nacionais e sair do país. Eventualmente, podemos voltar para uma ajuda pontual, mas o nosso objetivo é criar capacidades para que sejam as próprias instituições que sigam avançando seus serviços, em tudo que permita o desenvolvimento humano, da cidade ou do país”.