Nos últimos 15 anos, os países da América Latina e do Caribe avançaram graças à adoção de políticas e programas que permitem enfrentar o duplo desafio da inclusão social e laboral da população, mas esses progressos foram insuficientes para alcançar o desenvolvimento com igualdade e sustentabilidade, e existe um risco de retrocesso na atual conjuntura de baixo crescimento, disse na semana passada (24) a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
Pesquisa Data Favela mostra situação econômica de moradores. Na foto, a comunidade da Rocinha, localizada na zona sul do Rio. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Esta é uma das conclusões do documento “Brechas, eixos e desafios no vínculo entre o social e o produtivo“, apresentado pela secretária-executiva do organismo regional, Alicia Bárcena, na quarta-feira (25), durante a Segunda Reunião da Conferência Regional sobre Desenvolvimento Social da América Latina e do Caribe, em Montevidéu, no Uruguai.
Ao examinar pesquisas domiciliares de 17 países da América Latina no período 2002-2015, a CEPAL concluiu que “menos de três em cada 10 lares latino-americanos estão em situação de níveis mínimos de dupla inclusão, ou seja, satisfazem os níveis mínimos de inclusão social e laboral simultaneamente”.
O conceito de dupla inclusão — social e laboral — remete, por um lado, ao acesso universal à educação, à saúde e à proteção social, assim como à infraestrutura básica (energia, água potável e saneamento), e, por outro, ao trabalho decente, ou seja, a empregos de qualidade, remunerados em condições dignas, com acesso a direitos e à proteção social. Essa aproximação metodológica busca complementar as medições que tradicionalmente foram realizadas pela CEPAL em temas de pobreza e desigualdades de renda na região.
No documento, a CEPAL destaca que, na média simples dos países da região, o percentual de lares com níveis mínimos de dupla inclusão aumentou de 20,4% em 2002 para 29,2% em 2014, caindo para 28,6% em 2015; enquanto o percentual de lares em dupla exclusão caiu de 44,1% para 33% entre 2002 e 2014, elevando-se para 33,3% em 2015.
“Em termos absolutos, 56,5 milhões de lares (nos quais viviam 172,5 milhões de pessoas) tinham alcançado esses níveis mínimos de dupla inclusão em 2015, enquanto 39,2 milhões de lares (145,6 milhões de pessoas) estavam em condições de dupla exclusão no mesmo ano”, afirmou o texto.
O relatório apresentado no Uruguai constata diferentes barreiras para a inclusão social ou laboral, associadas às desigualdades socioeconômicas, de gênero, étnico-raciais, territoriais e por idade. Todas essas dimensões constituem eixos estruturantes da matriz da desigualdade social na região.
“A dupla inclusão é uma realidade ainda longínqua para a maioria da população rural. Isso se deve tanto à falta de acesso à infraestrutura básica e aos baixos níveis educacionais, como à desproteção no trabalho”, advertiu a CEPAL no texto. Os percentuais de dupla inclusão são também muito mais baixos na população indígena e afrodescendente quando comparados ao restante da população, advertiu.
O documento alerta que o mundo do trabalho está sendo afetado dramaticamente pelas aceleradas mudanças tecnológicas, pela maior complexidade das cadeias globais de valor, pelos desafios ambientais e por algumas tendências demográficas como a migração e o envelhecimento da população, o que exige capacidade de antecipação e de adaptação por parte de governos, setor privado e organizações sindicais.
Segundo a CEPAL, é indispensável contar com bons sistemas de informação sobre a estrutura produtiva e os mercados de trabalho e com serviços eficazes de intermediação da mão de obra e de qualificação da força de trabalho. O papel dos sistemas educacionais, em especial da educação técnica e profissional, é chave nesse sentido, salientou o organismo regional.
Também é necessário ampliar e fortalecer os sistemas de proteção social e os espaços de diálogo e negociação entre os atores do mundo do trabalho para mitigar os possíveis efeitos negativos dessas mudanças sobre o emprego e os direitos das pessoas e para distribuir mais equitativamente seus benefícios.
“Os mais de 162 milhões de jovens entre 15 e 29 anos que vivem na América Latina e no Caribe são agentes centrais para obter a mudança produtiva e o desenvolvimento sustentável”, disse o estudo, que também pede o fortalecimento das políticas sociais ao longo do ciclo de vida, com foco na infância, na adolescência e na juventude.