No Brasil, segundo a Pastoral Carcerária, a violência é o principal produto do sistema prisional, junto à indignidade das pessoas e o número de mortes. E o problema se estende a toda a América Latina, afirma o idealizador das Escolas de Perdão e Reconciliação (ESPERE), Padre Leonel Narváez Gómez.
Foto: Arquivo/Agência Brasil
Os massacres registrados no mês de janeiro deste ano nas penitenciárias de Manaus (AM), Roraima e Rio Grande do Norte, com quase 120 mortes, ratificam a fragilidade do setor. Só no ano passado, cerca de 379 pessoas morreram violentamente dentro das prisões brasileiras. Os grandes percentuais de homicídios, segundo o Pe. Leonel, acontecem por ajuste de contas e vingança entre pessoas.
“A convicção é cada vez maior de que este continente latino-americano segue sendo o continente mais desigual, mais violento e, também, paradoxalmente, mais católico. E, essas três palavras: desigual, violento e católico, brigam entre si. Então, dessa luta nos direcionamos ao conceito fundamental do Papa Francisco de que sem o perdão só existe uma vida infecunda e estéril, e é necessário voltar para o que é essencial.”
Visando a necessidade de incrementar uma cultura política pela paz, inclusive para reverter a contínua degradação no sistema prisional, uma delegação brasileira participou da quinta edição do Encontro Internacional da ESPERE no início de outubro, em Santo Domingo, na República Dominicana. O Pe. Leonel foi um dos responsáveis por conduzir os participantes ao caminho do perdão como ferramenta da paz.
“A vingança tem sido o principal motivador dos homicídios na América Latina. E, essa palavra vingança – ou ajuste de contas – desafia profundamente nós que seguimos Jesus, em que o principal mandamento é o amor, e o amor inclusive aos inimigos. Nesse encontro falamos particularmente do perdão a si mesmo e da prática da autocompaixão, como exercícios poderosos para se recuperar dos traumas e das violências, enfim, para gerar comunidades de muita paz e convivência.”
O Brasil tem usado a metodologia da ESPERE para atuar com práticas de justiça restaurativa, através da Pastoral Carcerária. Segundo o Pe. Leonel, estimular o perdão nesse contexto fará com que os presídios se esvaziem gradativamente, gerando um novo impacto na vida das pessoas.
“Nós estamos falando sobre a justiça restaurativa e o perdão como verdadeiros exercícios mais autorestauradores que podem existir. A primeira coisa que as pessoas que estão para sair dos presídios respondem quando questionadas sobre o que mais precisam pra sair é: o perdão. O perdão tem implicações muito importantes para nós, sobretudo em perspectiva futura, quando a justiça passa de punitiva a ser restaurativa. Nós estamos instaurando uma revolução importante no mundo, na Igreja e, em geral, na justiça que restaura, que recupera as pessoas, não na justiça que castiga para sempre. Então, no futuro, os presídios estarão cada vez mais vazios, irão fazer simplesmente recursos de emergência. Mas nunca chegarão a ter essas superlotações de pessoas, que expressam pouca compaixão e pouca capacidade para gerar leis novas que restaurem e recuperem os cidadãos.”
Pe. Leonel afirma ainda que a criminalidade só pode ser superada positivamente se há três componentes: favorabilidade penal, emprego e educação para paz.
“Começou uma nova era, ou época da humanidade, em que o castigo e as armas já são coisas do passado e que o futuro da humanidade está mais para a compaixão, a bondade e a misericórdia. Possivelmente esse seja um desafio muito grande ao futuro porque implicará, sem dúvidas, em mudanças culturais, mudanças pastorais na nossa organização católica, inclusive na formação dos sacerdotes. No entanto, acreditamos com muita esperança e otimismo, sobretudo por aquilo que estamos fazendo em vários países onde estamos trabalhando. Grandes objetivos nos movem para eliminar os presídios, a pena de morte e a reclusão solitária das pessoas que se convertem num tapa à dignidade das pessoas. Então, acreditamos, de verdade, que pouco a pouco, está sendo construído um futuro novo para a humanidade com base na misericórdia, na compaixão, no perdão e na reconciliação.”