A austeridade fiscal é um obstáculo para redução das desigualdades econômicas, diz o Relatório 2017 - Hiperglobalização, Robôs, Emprego Feminino, Crescimento Inclusivo, divulgado ontem (14) pela Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
Cerca de 17 milhões de crianças até 14 anos vivem em domicílios de baixa renda. Foto: TV Brasil
Ao comentar o relatório, o professor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Antonio Carlos Macedo e Silva, disse que o mundo vive um momento de crescimento lento, depois de quase uma década de crises, e que isso tende a continuar nos próximos anos.
“A recuperação é fraca. E a tese é que vai continuar fraca e frágil enquanto uma série de obstáculos não for superada. O consenso em torno da chamada austeridade fiscal é um desses obstáculos”, ressaltou Silva, que também é pesquisador da Unctad.
O relatório destaca também que a falta de expansão econômica está diretamente relacionada com o aumento das desigualdades de renda entre homens e mulheres. “A economia global tem crescido a taxas muito inferiores às das décadas anteriores, porque, tanto durante o processo de crescimento quanto na esteira da recessão, na maior parte dos países, a desigualdade só fez aumentar. É um problema que consideramos realmente dramático”, disse Silva.
Nesse cenário, o relatório sinaliza que as políticas de redução dos gastos públicos tendem a agravar as disparidades. “Desde que a desaceleração global tem um lado significativo de demanda, políticas que favorecem a redução dos custos de mão de obra e os gastos públicos vão, na verdade, piorar a situação. Elas também vão se mostrar inadequadas para lidar com os múltiplos desafios da desigualdade e falta de sustentabilidade gerada pelos padrões econômicos atuais. Desse modo, acabar com a austeridade continua a ser um pré-requisito básico para construir caminhos sustentáveis e inclusivos de crescimento”, acrescenta o estudo.
Gastos coordenados
Apesar de defender medidas expansionistas, acompanhadas de um modelo que garanta aumento equivalente das receitas públicas, a Unctad pondera que esse tipo de movimento não pode ser feito isoladamente. “A proposta da Unctad não é a de que está ao alcance de qualquer país, em qualquer momento, implementar uma política fiscal expansionista e sair crescendo. Isso pode não dar certo especialmente quando você está fazendo isso sozinho. Se você faz isso sozinho, você está submetendo o seu país, por exemplo, ao risco de fuga de capitais, de ataques especulativos, de crises cambiais”, explicou Silva.
O economista destacou que as medidas no sentido contrário à austeridade deverão ser adotadas em conjunto com diversos países, minimizando os riscos e promovendo crescimento econômico sustentável e inclusivo. “Daí a ideia de que a gente poderia tentar coordenar. Não é tão utópico assim, a gente já tentou fazer algo nessa mesma linha na esteira da crise. Só que, por timidez, por excesso de conservadorismo, a visão da austeridade que irresponsabiliza a política fiscal, libera a política fiscal da tarefa que lhe é inata de, junto com a política monetária, afetar o nível de atividade, acabou prevalecendo”.