O documentário 'Meninos de Palavra', de Fabrício Borges, mostra a força da palavra escrita, cantada ou encenada na escolarização de meninos que cumprem medida socioeducativa. Foto: Reprodução
Em um universo “onde todos usam a havaiana azul, a mesma roupa e estão no mesmo lugar”, como diz uma das entrevistadas, o uso da palavra escrita, cantada ou encenada aparece como um caminho para expressar as individualidades dos meninos. A partir dos registros de oficinas do Projeto Educação com Arte, promovido por educadores do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), o documentário retrata como são desenvolvidas ações de letramento com diferentes linguagens baseadas na escuta e no diálogo.
“Nós usamos essas ferramentas, a arte cênica, a música, o corpo, a palavra ou o teatro, para se aproximar desses meninos”, explica o arte-educador Carlos Caçapava, durante um debate sobre medidas socioeducativas realizado na terça-feira da semana passada(18), após a exibição do documentário no CineSesc, em São Paulo (SP). Na definição dele, esse trabalho com linguagens ainda vai além da simples ação dar aulas. “É levar sensibilização para toda uma população”, aponta, ao fazer referências aos estigmas sociais muitas vezes sofridos por adolescentes privados de liberdade.
Se por um lado as oficinas de 1h30 são repletas diálogo e linguagens artísticas, o mestre Caçapava lamenta o fato de trabalhar em um cenário adverso, sem a oportunidade de ter sensibilizado esses adolescentes quando ainda estavam em liberdade e frequentavam a escola regular. “Eu acredito que seria ótimo trabalhar com as nossas ferramentas nas escolas públicas e instituições em bairros das periferias onde nós vivemos. A maioria dos arte-educadores atuam na sua quebrada, mas lá eles não têm a presença desses meninos. As oficinas não têm uma divulgação extensa.”
Ao mostrar os adolescentes em experiências de letramento dentro da Fundação Casa, o filme chama atenção para a forma como a linguagem deixa de fazer parte do campo erudito para se aproximar do universo dos internos. Para o educador José Paulo, conhecido como P.MC., essa é a grande sacada que a escola ainda não percebeu, e por isso se tornou “careta” a ponto de ser abandonada. “Temos que entender o código que a rua nos traz. Ela está mostrando novos códigos todos os dias”, defende enquanto faz a mediação do debate. “Viva todo tipo de arte que é feita com os adolescentes privados de liberdade.”
A força do diálogo e da escuta em um processo educativo, na percepção do jornalista Bruno Paes Manso, escritor, doutor e pesquisador no Núcleo de Estudos da Violência da USP e colaborador da Ponte Jornalismo, representa um dos destaques apresentados pelo documentário. “Esse dom que eles [os arte-educadores] têm para ensinar vem dessa disposição para ouvir.”
Com uma relação de proximidade estabelecida por meio das linguagens artísticas, a psicóloga Heloísa de Souza Dantas, professora da pós-graduação em psicossociologia da juventude da FESPSP e integrante do Núcleo de Política de Drogas do GREA (Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas), diz que os adolescentes passam a ocupar um outro espaço. “Uma grande riqueza das oficinas é a palavra e a possibilidade de escuta desses meninos de um outro lugar, que não é um lugar da lei, do ‘funça’, da ordem do controle e da punição.”
Assista ao documentário:
*Texto originalmente publicado pelo portal Porvir.