Há um ano, o rompimento da barragem de Fundão escancarou o perigo da dependência econômica da mineração. A interrupção das operações da Samarco amplificou, no município de Mariana (MG), os efeitos da crise que atinge todo o país. O turismo caiu, o desemprego cresceu em demasia e o prognóstico é de que a arrecadação municipal sofra uma queda ainda maior no fim de 2017.
Mariana (MG), 26/03/2016 - Procissão de Nosso Senhor Morto, durante a Semana Santa em Mariana. Foto: Léo Rodrigues/Agência Brasil
Segundo a Prefeitura de Mariana, atualmente o município gasta mais do que arrecada. "São cerca R$17 milhões de receitas mensais e as despesas giram em torno de R$20 milhões. A situação tem sido sustentada com recursos de reserva do início do ano passado. No próximo ano, essa verba irá se esgotar", diz o prefeito Duarte Júnior (PPS), reeleito nas últimas eleições. O segundo mandato, porém, será mais desafiador.
Um dos principais problemas é a arrecadação com a Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM). Os valores obtidos pelo município com a exploração do minério de ferro, especialmente pelas gigantes Vale e Samarco, já registra queda há três anos. Após a tragédia, a Samarco suspendeu suas atividades e a Vale teve sua exploração mineral em Mariana reduzida em torno de 60%.
Em 2013, era uma média de R$6,5 milhões mensais arrecadados com a CFEM. Em 2014 passou para R$5,5 milhões mensais e chegou a R$4 milhões mensais no primeiro semestre de 2015. Nos primeiros seis meses de 2016, a CFEM rendeu aos cofres do município menos que R$800 mil mensais.
O cenário tende a se agravar mais. O imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços (ICMS) é atualmente uma das principais fontes de renda do município. O tributo é pago pelas empresas que realizam operações de venda, transferência e transporte de mercadorias ou serviços de transporte e comunicação. Muitas dessas empresas em Mariana mantinham contrato com a Samarco. Os recursos do ICMS chegam ao município com retroatividade a dois anos. A prefeitura estima que, a partir de novembro de 2017, quando se completam dois anos da tragédia, a queda da arrecadação com esse imposto levará a uma perda de R$7 milhões mensais.
Comércio e turismo
O esfriamento do comércio também provocou demissões. O desemprego em Mariana alcança 13 mil pessoas, mais de 22% da população. Segundo a prefeitura, pelo menos 8 mil ficaram desempregadas devido à paralisação da Samarco. O setor hoteleiro é um dos mais afetados, segundo Tane Chiriboga, presidente da Mariana Tur, associação que representa os hotéis e restaurantes da cidade. "O forte de Mariana era o turismo de negócios. Durante a semana nossos hotéis sempre ficaram mais cheios que no fim de semana".
Tane conta que em alguns feriados como carnaval, semana santa e no festival de inverno, as taxas de ocupação ficavam altas, mas eram exceções. "O que gerava renda mesmo era o turismo de negócios, e com a tragédia, os fluxo na cidade se reduziu. Vinham para cá muitos funcionários de empreiteiras e muita gente prestar serviço para a Samarco e a Vale. E até nos feriados festivos, também caiu o movimento porque os eventos foram menores, já que a Samarco não pode patrocinar como de costume", lamenta. Tane estima que o volume de hóspedes nos últimos dois meses está em média 40% inferior ao mesmo período de 2015.
Novas receitas
"A gente vê muita gente falando mal da Samarco, mas ela sempre ajudou muito a cidade. Se ela não voltar, estamos perdidos". A opinião de Tane contrasta com o que ela mesma e a maior parte da população costuma dizer. "Tem que ter outra fonte de renda, investir em outro tipo de turismo ou atrair alguma indústria de outro ramo. A mineração um dia acaba", conclui.
O mesmo raciocínio aparece na fala do prefeito Duarte Júnior. "A mineração na nossa cidade sempre foi vista como uma mãe rica que diz ao filho que não precisa trabalhar porque vai bancá-lo. E aí um dia essa mãe morre e o filho não tem de onde tirar o sustento. Então é óbvio que precisamos diversificar nossas receitas. Mas também não podemos abrir mão destes recursos da noite para o dia".
Para se recuperar da crise econômica, Mariana aposta como plano A o retorno dos trabalhos da empresa denunciada como responsável da tragédia que lhe trouxe o prejuízo. Já o plano B, ainda está no discurso. Na prática, não há nenhuma estratégia para substituir as receitas diretas e indiretas da mineração.
Além de pedir o retorno das operações da Samarco, o prefeito enumera outras duas medidas que estão sendo tomadas para enfrentar a crise financeira do município: cobrar impostos passados devidos pela Samarco e pela Vale e buscar indenização pela queda da arrecadação causada pela tragédia. Não há nenhum medida em curso para além da mineração. Duarte Júnior admite que Mariana paga por nunca ter se esforçado para diversificar suas receitas. "A mineração tem prazo de validade e isso já devia ter sido planejado. Mas com a tragédia, fomos pegos de surpresa", disse.
Ele defende prioridade na liberação para que a Samarco volte a operar, possibilitando a geração de novos postos de trabalho. "Imagina todo dia você recebendo alguém pedindo ajuda para encontrar emprego porque tem uma família para sustentar e o município não consegue gerar renda a essas pessoas. Muita gente entra em desespero e nos incomoda. Por isso queremos o retorno da empresa, que nem resolve completamente a situação, mas minimiza o problema".
Para Duarte Júnior já existem condições para o funcionamento da mineradora. "É preciso ter uma destinação segura dos rejeitos que serão gerados. Essa posição nós apresentamos aos órgãos estaduais e federais. Mas já existe um local adequado, que é a cava da Mina de Alegria, pertencente à Vale. Pelo que nos foi apresentado, ela poderia receber rejeitos por dois anos. Se autoriza o retorno das operações da empresa, entendemos que em dois anos ela teria um prazo razoável para indicar um outo local de armazenamento dos sedimentos", argumenta.
Indenização
A procuradoria da prefeitura de Mariana está avaliando a possibilidade de ingressar com uma ação de indenização contra a Samarco, na qual seria requerida uma compensação pela queda na arrecadação do ICMS em 2017. Essa reparação já havia sido pedida por Duarte Júnior na ocasião do acordo fechado entre a mineradoras, suas acionistas Vale e BHP Billiton, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. O acordo prevê um investimento de R$20 bilhões em cerca de 15 anos, mas não contemplou a solicitação do município. "Foi uma injustiça. São R$20 bilhões e o município mais afetado precisava apenas de R$30 milhões e isso não foi garantido", lamentou o prefeito.
Ele explica que precisa dos recursos para não promover cortes na educação, na saúde e no funcionalismo público. Estes cortes poderiam ampliar a crise já que, segundo a prefeitura, o aumento do desemprego tem feito com que a educação e a saúde pública sejam mais procuradas.
Duarte Júnior reclama da distância do governo estadual em relação às suas demandas. Ele pede também mais atenção ao Comitê Interfederativo, instância composta por representantes do poder público criada para acompanhar o cumprimento do acordo com a Samarco. "No comitê, o Espírito Santo que tem bem menos cidades afetadas é representado por diversos secretários de estado. Estão sempre em sete ou oito pessoas. Já o governo de Minas Gerais tem enviado apenas uma ou duas pessoas. Não estamos percebendo o compromisso que gostaríamos. Espero que não entendam essa crítica de forma negativa. É pelo bem dos municípios mineiros. Minas é o estado mais afetado e nosso governo tem que ser protagonista".
Procurada, a Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) discordou da crítica. "Nunca faltamos uma reunião sequer do Comitê Interfederativo. O prefeito de Mariana esteve ausente em duas delas. Na última, ele compareceu e inclusive elogiou nossa atuação. Pode ter tido algum ruído de informação em reuniões anteriores, o que é natural pois o Comitê Interfederativo estava começando os trabalhos e os participante ainda estavam se ajustando. Mas hoje o alinhamento do governo estadual com as prefeituras é 100%", disse o secretário adjunto Germano Luiz Gomes Vieira.
Ele considera que a Prefeitura de Mariana tem direito de buscar as indenizações que acharem justas. "O que foi diagnosticado como impacto direto da tragédia está contido nos programas de recuperação socioeconômica e socioambiental. Os municípios, se acharem pertinente, podem buscar as vias judiciais. A prefeitura tem total legitimidade de entrar com ação para pleitear outras reparações. O que está no acordo não é o teto, é o mínimo que julgamos adequado para lidar com o volume de problemas que enfrentamos", encerrou Vieira.