O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) realizou, na semana passada, em Brasília, a primeira reunião regional realizada no contexto da Década Internacional de Afrodescendentes da organização. A América Latina foi a primeira região a se organizar para discutir as ações e expectativas para a Década, que teve início esse ano e acontecerá até 2024.
Da esquerda para a direita: o procurador-geral da República, Rodrigo Janot; a ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos, Nilma Lino Gomes; e o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein. Foto: Gustavo Barreto/UNIC Rio
Em visita oficial ao Brasil, o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, afirmou, na abertura do evento, que é “grandiosa” a tarefa proposta pela Década:
“Dez anos para reverter cinco séculos de discriminação estrutural? A discriminação racial tem profundas raízes cultivadas no colonialismo e na escravidão e se nutre diariamente com o medo, a pobreza e a violência. São raízes que se infiltram de forma agressiva em cada aspecto da vida – desde o acesso à educação e alimentos até a integridade física e a participação nas decisões que afetam fundamentalmente a vida de cada pessoa”.
O alto comissário destacou que a Década Internacional é uma oportunidade para levar adiante diversas reformas que já estão acontecendo na região – como na Argentina, na Bolívia, no Brasil, na Costa Rica, no México e outros países. Ele disse que também espera que a Década impulsione a aplicação “com firmeza” de leis relacionadas e a implementação de políticas e programas de modo a trazer “melhorias tangíveis” para as vidas das pessoas afro-descendentes.
“Uma década é realmente um curto espaço de tempo, mas se nós definir metas concretas, poderemos fazer uma diferença transformadora nos 10 anos decisivos da vida de uma criança da favela ou de um bairro pobre”, destacou Zeid.
A ministra brasileira das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes, afirmou que o Brasil se sentiu muito honrado em receber a primeira conferência da Década Internacional de Afrodescendentes.
“Em resposta aos compromissos assumidos em Durban, muitos países da região estabeleceram instâncias de inclusão para a população afrodescendente”, lembrou, em referência à conferência contra o racismo de 2001. Como resultado da marcha Zumbi dos Palmares de 1995, que reuniu 30 mil pessoas em Brasília, o governo assumiu à época, disse a ministra, um conjunto de compromissos voltados ao combate ao racismo e à promoção da igualdade racial.
“Essa perspectiva de combate à desigualdade racial está refletida em uma série de políticas do governo brasileiro. O aumento do volume dos investimentos sociais e das políticas de ações afirmativas trouxe resultados. O nível de pobreza da população negra caiu 73%. Este ano, 58% das pessoas inscritas no ENEM [exame nacional para ingresso nas universidades] são afrodescendentes. No programa Pronatec [Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego], os negros são 65% dos beneficiados”, exemplificou Nilma.
Segundo a ministra brasileira, mesmo em meio a importantes avanços promovidos pela diminuição da desigualdade racial, ela persiste no Brasil. “O racismo é incompatível com a democracia. Devemos ampliar o espectro de proteção consagrada em Durban, aprofundá-la, fortalecê-la, mas jamais reduzi-la”, destacou.
Segundo Nilma Lino Gomes, o comprometimento da comunidade internacional com a promoção dos direitos humanos é fundamental. “A promoção da igualdade racial se beneficiará do intercâmbio de experiências, da promoção de boas práticas e de políticas de inclusão. Que esse seja o início de uma década de promoção de políticas públicas, de democracia e de igualdade social”, acrescentou.
O evento terá, até sexta-feira (4), debates sobre a Década da ONU e seus principais objetivos e propostas de ação, com foco na América Latina e Caribe. A Assembleia Geral, que proclamou a Década, determinou três eixos temáticos para a iniciativa: “reconhecimento, justiça e desenvolvimento”. Segundo as Nações Unidas, existem aproximadamente 200 milhões de pessoas vivendo nas Américas que se identificam como afrodescendentes. Muitos mais vivem em outros lugares do mundo, fora do continente africano.