A Anistia Internacional defende a necessidade de o Brasil ter uma política nacional de redução de homicídios. De acordo com o diretor-executivo da organização no Brasil, Átila Roque, o tema precisa ser prioridade de todo o estado brasileiro, especialmente, para diminuir o número de mortes de jovens pobres e negros no país.
De acordo com Átila Roque, diretor da Anistia Internacional no Brasil, 56 mil mortos por ano, dos quais 30 mil são jovens. É "como se derrubássemos a cada dois dias um avião cheio de jovens". Foto: Divulgação
“[A ação] tem que ser abraçada pelo estado como um todo. Precisa ter metas de curto prazo e recursos para equipar não apenas a polícia, mas também trazer junto outras políticas de educação, saúde, cultura e integração social, que incorporem e abram condições para que esses jovens sejam parte plena da sociedade de direito no Brasil, como deveria ser”, disse ontem (28) em entrevista à Agência Brasil. O diretor vai debater esse assunto na mesa de discussões do 9º Encontro Anual de Segurança Pública com o tema Homicídios de Jovens Negros. O encontro, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, começou na terça-feira no Rio de Janeiro.
De acordo com o diretor da Anistia Internacional, há claramente uma situação em que a sociedade e o estado estão olhando para o outro lado, enquanto um verdadeiro extermínio ocorre todos os dias. Roque defendeu a presença de todo o Estado nessa política e não apenas da Justiça. “Gostaria de ver este tema ser prioridade na fala do presidente do Banco Central, gostaria de ver este tema ser prioridade na fala do ministro da Fazenda, porque se todas as políticas não estiverem integradas e voltadas para priorizar a vida, e a vida no Brasil hoje está sob alto risco, a vida de jovens e de jovens negros estará submetida cotidianamente a um processo sistemático de extermínio.”
Números
Roque identificou no país uma epidemia de indiferença em relação à rotina de homicídios e de mortes de jovens negros, pobres e moradores de periferias no Brasil. Além disso, segundo ele, ocorre a quase cumplicidade do estado brasileiro e de quem é a responsabilidade sobre políticas púbicas no Brasil sobre o tema. “Nós não podemos continuar com uma taxa de homicídios na faixa de 56 mil mortos por ano, em que desses, 30 mil são jovens entre 15 e 29 anos. Como se derrubássemos a cada dois dias um avião cheio de jovens. Entre esses 30 mil, 77% são negros.”
Na avaliação de Roque, as duas situações resultam na sustentação de cumplicidade por omissão, na medida em que muito pouco ou quase nada é feito de maneira sistemática para se enfrentar este problema ou até mesmo por meio da ação quando se verifica que parte importante das mortes ocorre nas mãos de agentes do estado em decorrência de uma política de segurança que privilegia o confronto, a guerra e o enfrentamento. “Produz em um grau fora de qualquer proporção razoável de mortes de jovens nas mãos da polícia”.
O diretor da Anistia apontou que é preciso desmistificar a ideia de que este é um problema que só se resolve a longo prazo, após mudança da estrutura social ou da polícia. Ele acrescentou que o Brasil tem uma estrutura de segurança pública e modelo de polícia que não se alterou desde a ditadura. “Fomos capazes de olhar todas as demais agendas que importavam para a sociedade na saúde, na educação etc, reformulamos instituições, pensamos formas de participação; incorporamos atores, tanto usuários como agentes implementadores de política no debate; mas no caso da segurança pública é fato que nos abstivemos de tratar este tema.”
Para o curto prazo, Roque afirma que o caminho é investir na gestão da política de segurança e não se restringir apenas à transformação estrutural das polícias. Ele revelou que quando se observa a curva de homicídios e como ela se desloca no tempo é possível identificar o resultado positivo de ações do gestor de uma polícia ou de um secretário de segurança que têm um pouco mais de sensibilidade para essa questão. Isso, segundo Roque, sugere que para reduzir rapidamente este alto índice de homicídios no curto prazo é ter uma clara priorização por parte do estado que reconheça, neste, o principal problema que o Brasil enfrenta hoje.