A admissibilidade da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, decidida no último dia 31 pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, encontra resistência entre juristas. Para eles, a maioridade penal é uma cláusula pétrea. Na opinião do professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio, Thiago Bottino, apesar de não constar do Artigo 5º da Constituição Federal, a definição de maioridade é imutável.
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“A questão da menoridade está no Artigo 228, mas eu entendo que isso não pode ser alterado. Temos na Constituição cláusulas pétreas, que são determinados direitos e garantias que não podem ser modificados. As cláusulas pétreas não estão apenas no Artigo 5º, existem outras com a mesma configuração. Entretanto, sei que isso é discutível, porque não é uma coisa expressa, é uma forma de ler a Constituição”, explicou.
A doutora em direito pela Universidade de Brasília (UnB) e professora de direito penal Soraia da Rosa Mendes segue o mesmo raciocínio. Além de frisar que existem cláusulas pétreas em outros artigos, Soraia lembra que o Brasil firmou compromissos com a comunidade internacional para proteger crianças e adolescentes. “O Brasil é signatário de tratados internacionais de proteção a crianças e adolescentes. O país não pode retroceder nesses tratados internacionais. Esse direito fundamental é a maioridade aos 18, levando em consideração todo o complexo de normas que constam no nosso ordenamento jurídico.”
Os dois especialistas também discordam da ideia de que reduzir a maioridade penal para 16 anos vá trazer benefícios à sociedade. Para Soraia, aumentar o número de leis que repreendam cada vez mais os infratores não tem dado resultado. “Não é porque o legislador definiu um novo comportamento como crime, que a pessoa vai pensar 'não vou mais cometê-lo'”. Na opinião dela, há um grande número de leis penais no Brasil e isso não tem garantido a redução da prática criminosa.
Bottino afirma que a Câmara dos Deputados tem adotado uma postura “populista” para responder às queixas da sociedade, sem observar se a medida terá efeitos práticos. “A população, de um modo geral, mostra-se mais favorável a essa redução sempre que é noticiado um crime envolvendo adolescentes. Essa medida é populista, no pior sentido da palavra, e não tem nenhuma relação direta com a finalidade que se busca”, diz o professor da FGV.
“Sou solidária à dor de qualquer família que perdeu entes queridos, mas não é possível fazer leis no clamor popular. Isso é populismo penal. Precisamos trabalhar de forma racional”, acrescenta Soraia.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro também criticou a decisão da CCJ. Em nota, a entidade diz que o caso “afronta as garantias constitucionais e o regramento jurídico previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA]”. A Defensoria Pública também diz que as crianças e adolescentes são mais vítimas do que infratores. Ela apresenta dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro. Esses dados mostram que, no estado, em 2012, 26.689 crianças e adolescentes foram vítimas de violência, enquanto 3.466 foram autores de infrações.
Os juristas também acreditam que levar infratores mais cedo ao sistema penitenciário brasileiro não resolve o problema. “Vamos jogar todos dentro desse sistema carcerário falido, que se reveste de características medievais?”, questionou Soraia. “Se você pegasse o dinheiro e colocasse essas pessoas em tempo integral na escola, sairia muito mais barato e teria resultados muito melhores. Não faz sentido gastar muito para chegar a um resultado pior”, opinou o professor da FGV.
A Defensoria Pública disse que vai atuar pela derrubada da proposta, que ainda precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado para ser aprovada. “Vamos intensificar a promoção de uma ampla campanha de esclarecimento da sociedade, como um todo, e do Congresso, em particular, sobre os graves riscos que esse retrocesso legal representa para o país.”