Questão de autenticidade

Quem não conhece George Orwell? Se alguém ainda não teve esse prazer, não deve perder tempo, pois vale muito a pena!

George Orwell

Orwell é famoso principalmente por duas de suas obras: A revolução dos bichos (1945) e 1984 (1948). O primeiro, escrito durante a Segunda Guerra Mundial, é uma fábula construída com a mais refinada sátira. Os “moradores” de uma fazenda, ou seja, cavalos, ovelhas, porcos... são uma paródia de alguns dos protagonistas que duelam sobre o tabuleiro da política internacional, mas principalmente na Rússia. Orwel cunha, então, a máxima de que “todos os bichos – leia- se homens – são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”. Os personagens principais não por acaso são dois porcos: um banido (Leon Trótski) e o outro dominador e déspota (Joseph Stalin).

Com um conteúdo atômico como esse o livro encontrou enorme rejeição entre os editores ingleses, até conseguir ser publicado. Vale lembrar que a Rússia era, então, aliada da Grã-Bretanha no combate ao nazi-fascismo.

A sua outra obra-prima foi 1984. Um livro de ficção que denuncia os extremos do totalitarismo. O personagem principal, mesmo se oculto, é o “Grande Irmão”: um poderoso ditador de um país fictício, que têm controle absoluto sobre seus súditos, chegando a violar toda e qualquer privacidade em nome da tutela do Estado. Isso talvez lembre alguma coisa...

A crítica de Orwell é explícita, profunda e complexa. Ele antecipa o futuro do totalitarismo e, em termos narrativos, o New Journalism, um tipo de jornalismo mais literário. Por tudo isso 1984 entrou no rol dos clássicos da literatura do século XX.

Mas é interessante ver a maneira como Orwell (que na verdade se chamava Eric Arthur Blair) abraçou a carreira de jornalista e escritor, no final dos anos 1920. Antes de escrever uma história, ele decide vivê-la na própria pele. E tencionando narrar a experiência feita pelos milhares de mendigos que povoavam a Inglaterra no pós-guerra, decidiu tornar-se um deles.

Dessa experiência nasceu o Orwell escritor e seu primo livro: Na pior em Paris e Londres.

Um trecho do próprio Orwell, publicado no Le progrès Civique (5 de janeiro de 1929), descreve com maestria as conclusões dessa experiência:

Em primeiro lugar, o que é um vagabundo?

O vagabundo é uma espécie nativa inglesa. Essas são as características que o distinguem: ele não tem dinheiro, veste-se com andrajos, caminha cerca de vinte quilômetros por dia e nunca dorme duas noites seguidas no mesmo lugar.

Em suma, ele é um andarilho que vive de caridade, perambula dia após dia durante anos e atravessa a Inglaterra de ponta a ponta muitas vezes em suas andanças.

Ele não tem emprego, lar ou família, nada de seu no mundo, exceto os farrapos que cobrem seu pobre corpo; vive às custas da comunidade.

Ninguém sabe de quantos indivíduos é composta a população de vagabundos. Trinta mil? Cinquenta mil? Talvez cem mil na Inglaterra e no País de Gales, quando o desemprego é particularmente alto?

O vagabundo não perambula para se divertir, ou porque herdou os instintos nômades de seus ancestrais; antes de mais nada, ele tenta não morrer de fome (...).

George Orwell foi mendigo por alguns anos. Em Paris, onde trabalhou como lavador de pratos em restaurantes e fazendo outros serviços, foi miserável, e depois, em Londres, viveu na rua, por vezes em albergues, sob as pontes. Durante esse tempo, constrói muitas de suas crenças. Na pior em Paris e Londres retrata em detalhes e com uma narrativa simples e cativante – típica de Orwell – essa experiência inusitada.

Quem quiser conhecer Paris e Londres da década de 1920 do seu ponto de vista mais real, tem uma ótima oportunidade, sob a condução de George Orwell.

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Sobre

No início da Era Cristã, toda a informação que uma pessoa conseguia assimilar durante a vida era inferior ao que está à disposição dos leitores numa edição de domingo de um jornal como O Estado de S.Paulo. É patente a evolução exorbitante do acesso à informação e da multiplicação do conhecimento. A literatura, antes restrita a uma exígua elite de pessoas letradas, continua sendo o canal por excelência para o conhecimento e passou por uma enorme democratização: hoje está ao alcance de todos. Vamos explorar juntos esse admirável mundo feito de “tinta sobre papel” ou de “pixels sobre tela”.

Autores

Fernanda Pompermayer

Formada em jornalismo pela Famecos (PUC-RS) em 1985, há seis anos trabalha na revista Cidade Nova. Foi repórter, editora e atualmente é editora-chefe da revista. Cursou ciências humanas, socais e teológicas no Instituto Internacional Misticy Corporis em Florença (Itália) e no cantão de Friburgo (Suíça).